Joker! Sim, também estamos falando sobre o Coringa…

Sobre o Coringa de Joaquin Phoenix...

Coringa é uma ode à desrazão e ao caos, dois termos empregados aqui sem qualquer conotação moral. Saí do cinema atordoado, perplexo, deslocado, sensações que só as grandes obras de arte são capazes de suscitar. Joaquin Phoenix numa atuação visceral; a direção de Todd Phillips, excelente. Há alguns clichês? Sim. Algumas “explicações” desnecessárias? Também. Mas nada que desabone a obra como um todo.

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Os que foram ao cinema com a expectativa de assistir a uma HQ às avessas, creio que se decepcionaram. Coringa trata de questões humanas, demasiada humanas, com raízes psicológicas profundas. O riso e a dança, comumente associados à alegria, carregam violência, terror, psicopatia. A vida, que se apresenta primeiro como tragédia, depois como comédia. Uma comédia sem graça, uma comédia violenta e melancólica. O fardo de existir sem ser notado. O fardo de simplesmente sobreviver e ter consciência disso. Os sonhos que não se realizam e, ao final, são transformados em triunfo do horror. Trata também de questões políticas e sociais. A greve dos lixeiros não é casual, ao contrário: a cidade imunda simboliza como as elites enxergam os excluídos socialmente, como o poder instituído e o capital são engrenagens que massacram o povo. Coringa trata, na verdade, da intersecção entre ethos e polis, porque muitos de nós somos violentados individual e coletivamente. Coringa borra as fronteiras entre bondade e maldade, entre sanidade e loucura, porque muitos de nós somos enquadrados em conceitos que nada têm de verdadeiros, mas são forjados e canonizados a partir de interesses políticos e financeiros. Coringa é uma metonímia de quem somos nós.

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Ouvi pessoas desaconselharam o filme a quem tem propensão à depressão. Eu, apesar de não ser psicólogo ou psiquiatra, não enxergo desta forma. Neste aspecto, concordo com Freud, para quem a arte é uma maneira eficiente de sublimação (estamos diante de uma obra de ficção, uma obra de arte, e não da realidade mesma, como bem notou Magritte com seu famoso “isso não é um cachimbo”) e com Camus, para quem a revolta sobre a existência que o indivíduo considera medíocre pode se dar por meio da arte. Assim, não é extravagante afirmarmos que Coringa é uma obra de arte que, como escreveu Nietzsche acerca das tragédias gregas, transforma os horrores e absurdos da existência em representações com as quais se torna possível viver.

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Matheus Arcaro nasceu em Ribeirão Preto, onde vive atualmente. É mestrando em filosofia contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo (Ed. Patuá, 2016), os livros de contos Violeta velha e outras flores (Ed. Patuá, 2014) e Amortalha (Ed. Patuá, 2017) e do recém-lançado de poesia “um clitóris encostado na eternidade”. 

PS: Com espanto notei algumas semelhanças entre o argumento que subjaz o roteiro do filme e o argumento que subjaz meu romance “O lado imóvel do tempo”, publicado em 2016 pela editora Patuá. No livro, o protagonista é Salvador dos Santos, um bancário aposentado que tem TOC, poeta frustrado que, ao completar 70 anos, entra numa crise existencial. Percebe que a morte se aproxima e o medo de ser esquecido leva-o a cogitar inúmeras possibilidades para reverter isso até que chega à conclusão de que a única chance que tem para que seu nome seja cravado na história é tornar-se assassino em série.

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