Amor: um filme anti-clichê

Um filme francês sobre o amor, a vida, a decadência, a velhice, a morte e a existência...

No seriado Mad Man o protagonista (publicitário bem-sucedido) afirma a uma garota: “o que você chama de amor, foram homens como eu que inventaram para vender meias”. O filme “Amor” é avesso a essa caricatura de amor veiculado nos comerciais de TV. É bem diferente também das cenas dos capítulos finais da maioria das telenovelas. Talvez resida aí a razão das críticas à película francesa. Michael Haneke (A fita branca) foge do clichê do amor idealizado ao colocar em cena um casal de idosos (de atuação brilhante, diga-se de passagem) que, repentinamente, tem sua rotina alterada quando a mulher sofre um derrame. Daí para frente o que vemos é a degradação da protagonista até o fim.

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A “entrega” do marido à companheira debilitada é de uma beleza comovente. Ele sofre profundamente com a situação, mas o diretor não lança mão de artifícios para enfatizar isso: o velho não grita, não chora, não clama a Deus por piedade. Mesmo os closes, tão comuns para comover o espectador, são pouco usados. Outro ponto importante é que o homem decide “poupar” a filha, afastando-a do sofrimento da mãe. Muitos viram nisso um ato de insensibilidade. Mas estes parecem não levar em conta que tal gesto pode ser interpretado de maneira oposta, como uma profunda prova de amor.

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Vi também colarem o rótulo de “arrastado” ao filme. Só posso concordar com esse termo se tomá-lo como uma virtude. De fato, o filme é construído com planos longos e estáticos do apartamento (antagônicos ao estilo videoclipe dos filmes de ação), e sem trilha sonora. Mas é justamente aí que está uma das maiores belezas do filme: ele nos coloca face a face com a nossa existência “arrastada” e nos mostra que somos seres morrentes. E mais: que raramente nos damos conta disso. O protagonista re(descobre) tal evidência com o definhamento da esposa e quando percebe que não há o que fazer, antecipa a inevitabilidade para poupar a companheira de mais sofrimento. Vejo nesta a maior prova de amor do filme. Tudo com um lirismo cru, angustiantemente belo. E, assim, o título, que pode parecer paradoxal e cruel aos que estão acostumados com o “happy end”, na verdade, soa mais do que adequado.

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Matheus Arcaro é mestrando em filosofia contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo (Ed. Patuá, 2016) e dos livros de contos Violeta velha e outras flores (Ed. Patuá, 2014) e Amortalha (Ed. Patuá, 2017). Também colabora com artigos para vários portais e revistas.

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